Esta experiência foi muito enriquecedora, de facto, colocar em prática aquilo que estudamos teoricamente é, ou foi, pelo menos para mim, uma construção, um aprofundar do conhecimento, a compreensão dos conceitos. Vou começar por refletir sobre as questões colocadas pelo professor, aproveitando para mencionar também as dificuldades sentidas. Relativamente à entrevista, antes da realização da entrevista, propriamente dita, é necessário fazer algum trabalho que será importantíssimo para o sucesso da mesma, começo por referir a construção do guião, referindo unicamente a entrevista semi-estruturada pois é essa que nos ocupa. Na entrevista semi-estruturada, as questões a formular, estão previamente definidas, cuidadosamente formuladas e com uma sequência pré-determinada. É de salientar que a formulação prévia das questões é feita de modo a assegurar que estas sejam realmente questões abertas que permitem aos entrevistados exprimir-se na sua própria linguagem e manifestar-se de forma livre, não condicionada pela formulação da questão. Patton (1990:281), refere que as vantagens associadas a este tipo de entrevistas conta-se pelo facto de permitir reduzir o efeito de “enviesamento” que pode ocorrer quando existem vários entrevistadores, bem como evitar o problema de obter informação mais abrangente a partir de certas pessoas e informação menos sistemática e profunda a partir de outras. É imprescindível planear a recolha dos dados, planeando as questões que nos farão atingir os objectivos delineados, adequando a sequência das perguntas, elaborando o guião, validando-o, e experimentando-o, para que se possa adequar p.e. a linguagem. O meu entrevistado não fazia ideia de como poderia chamar aos estudantes fora do ambiente formal. Outro ponto que considero importante é o facto de ele não distinguir as Redes Sociais das aplicações que utilizamos para comunicar como o skype ou o msn. A análise do guião no sentido de identificar a sua adequação em termos de linguagem, estrutura e sequência, são imprescindíveis bem como alguns cuidados na adequação das perguntas: a adequação da linguagem quanto ao vocabulário, jargão, clareza e precisão, e o cuidado para não usar palavras pouco claras ou vagas; a adequação da forma quanto ao tamanho, à dificuldade de elaboração mental por parte do entrevistado, o impacto emocional, as frases manipulativas, e perguntas ambíguas ou com múltiplas finalidades; por último, também a sequência da apresentação quer através de blocos temáticos quer na sequencialmente das questões mais simples para as mais complexas. Durante a realização da entrevista há algumas variáveis que podem influenciar a recolha da informação e que devemos acautelar, a influência da intervenção do entrevistador tanto na produção do discurso do entrevistado, como nos processos de raciocínio ou a sua influência nos processos de memória do entrevistado. Quanto aos cuidados a ter durante a entrevista, vou tentar explicitá-los sequencialmente. Em primeiro lugar é necessário explicar a entrevista, esclarecendo o que se pretende e qual o objectivo, garantir a confidencialidade, destacar a importância da colaboração do entrevistado. Antes de iniciar a entrevista, pedir autorização ao entrevistado para fazer a gravação. Outro aspecto importante é criar um ambiente agradável para a realização da mesma, um local que favoreça a descontracção (temperatura, luz, ruído e mobiliário adequados), manter uma distância adequada (1 a 2 metros) audível entre entrevistado e entrevistador mas que não cause desconforto pela proximidade, assegurando também a confidencialidade do entrevistado (que não seja visto nem escutado por outros enquanto decorre a entrevista). È muito importante reforçar a palavra do entrevistado, ou seja, enquanto fala ir prestando a maior atenção, acenando com a cabeça afirmativamente, encorajando para que continue e demonstrando sempre simpatia e compreensão pelo entrevistado. O uso de um tom informal, de conversa e menos formal é também muito importante e fornecer o guião para além de colocar as questões oralmente, combinando as duas linguagens, é também facilitador. Pedir ao entrevistado para dizer em voz alta o que está a pensar, o que pensou em fazer, se está com alguma dificuldade na resposta, …; evitar influenciar as respostas pela entoação ou destaque oral de palavras; pedir exemplos de situações, de pessoas ou de objectos que o auxiliem a exprimir-se; apresentar uma questão de cada vez; explicitar aceitação pelas opiniões do entrevistado. Por último, registo de tudo o que o entrevistado diz, verificar sempre os suportes de registos (neste caso dispositivo de gravação áudio). Gerir o tempo de conversação e parar antes do tempo previsto se o ambiente se tornar demasiado constrangedor. Finalmente, terminar a entrevista como começou, num ambiente de cordialidade para que o entrevistador possa voltar (se necessário) e fornecer novos dados. Creio que seguindo estes passos podemos evitar entrevistados pouco cooperantes ou muito divergentes, de qualquer forma podemos durante a realização da entrevista recolocar ou reformular as questões, ou pedir para falar mais sobre aquele tema, demonstrando sempre interesse genuíno pela sua opinião. O facto de termos um guião excelente e bem elaborado não nos pode tornar reféns do guião e das perguntas previamente elaboradas, principalmente porque uma das características da entrevista semi-estruturada é a possibilidade de fazer outras perguntas na tentativa de compreender a informação que nos está a ser fornecida ou mesmo a possibilidade de indagar sobre questões que surgem durante a entrevista, e que nos possam parecer relevantes para o assunto em estudo. O meu entrevistado é um colega muito solícito e enérgico, que pegou no guião e começou a responder a “todo gás”, reconheço que devia ter reformulado as questões, por forma, a que explicitasse melhor os seus pontos de vistas, pois as respostas foram muito curtas. Cometi um erro grave, uma vez que as respostas já de si eram curtas e sucintas, ainda, preocupada com o tempo e com respeitar o guião, o interrompi quando ele se estava a estender no seu discurso, deveria ter deixado é que falasse mais. A entrevista é um processo de interacção social e os dados são de natureza social o que tem de ser tido em conta também na interpretação dos resultados. O primeiro passo é adequar o guião como forma de o investigador se preparar, organizar e aprender para o processo de recolha de informação. Este processo de análise do roteiro é uma forma do investigador interagir, simbolicamente, com um produto seu (no nosso caso colectivo), o guião, antes da interacção que ainda não ocorreu, mas neste processo de análise do guião está a preparar-se a situação real da recolha de informação através da entrevista semi-estruturada. Relativamente à construção da matriz para a análise de conteúdo, devo reconhecer que em termos teóricos se tornava muito difícil para mim perceber como se implementava na prática. Depois de transcrita a entrevista e voltando a olhar para a grelha, parece que tudo se simplificou, comecei a entender onde colocar o quê. Como primeira experiência, o facto de a minha entrevista ser pouco elaborada facilitou-me a construção da grelha. A maior dificuldade está em estabelecer as categorias e sub-categorias, foi especialmente difícil para mim criar sub-categorias e separar unidades de registo, de informação que não tinha previsto que surgisse, em determinada altura fiquei paralisada sem saber o que fazer à informação “imprevista”. Há algumas regras a cumprir quando se transcrevem as entrevistas e quando posteriormente se analisam as transcrições, a exaustividade (deve-se esgotar a totalidade da comunicação, não omitir nada), a representatividade (a amostra deve representar o universo), a homogeneidade (os dados devem referir-se ao mesmo tema, serem obtidos por técnicas iguais e colhidos por indivíduos semelhantes), a pertinência (os documentos devem adaptar-se ao conteúdo e objetivo da pesquisa e, a exclusividade (um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria). No nosso caso são a exaustividade e a exclusividade que nos preocupam, uma vez, que vamos trabalhar sobre um único documento. É bom que a transcrição seja realizada pelo próprio investigador, assim ouve várias vezes a gravação, escreve tudo, percebe pausas e mudanças de entoação de voz, além das exclamações e outros sinalizadores, o que permite analisa em maior profundidade a entrevista. Na análise de conteúdo, Bardin (2002) aponta como pilares a fase da descrição ou preparação do material, a dedução e a interpretação. Dessa forma, os principais pontos da pré-análise são a leitura flutuante (primeiras leituras de contato os textos, no caso de analisarmos várias entrevistas), a escolha dos documentos (no caso o relato transcrito), a formulação das hipóteses e objetivos (relacionados com a disciplina), a referenciação dos índices e elaboração dos indicadores (a frequência de aparecimento, no caso de várias entrevistas) e a preparação do material. A nossa entrevista foi registada através de gravação em áudio, transcrita na íntegra e autorizada pelo entrevistado, o texto passou por pequenas correcções linguísticas, com o cuidado de não eliminar o carácter espontâneo da fala. Para o tratamento dos dados foi utilizada a análise categorial que de acordo com Bardin (2002), se baseia em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação, e posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias. A fase seguinte, exploração do material, é mais longa: a etapa da codificação, na qual são feitos recortes em unidades de contexto e de registo; e a fase da categorização, no qual os requisitos para uma boa categoria são a exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade e fidelidade e produtividade. Quando a tarefa da construção da matriz de análise está terminada, depois de recolhida exaustivamente toda a informação e classificada tendo em atenção a exclusividade que mencionávamos acima. Precisamos agora de validar a nossa grelha, ou seja a forma como recolhemos e categorizamos a informação deve ser validada por um ou mais investigadores/especialistas. No nosso caso a validação foi realizada por outro/a colega, mas a maior responsabilidade foi que eu própria também tive de analisar e validar a grelha de outro colega, não é tarefa que me agrade, é sempre difícil apontar não concordâncias, mas não seriamos correctos se não o fizéssemos, pois o objectivo é mesmo esse, encontrar pistas que possam facilitar o tratamento da informação de uma forma ainda mais fidedigna e que possa contribuir para atingir os objectivos do estudo. Esta experiência foi muito interessante por vários motivos, de facto “cada cabeça sua sentença” a interpretação sobre o preenchimento da grelha, que como já disse, julguei quando comecei a construir a minha já não ter dúvidas sobre onde colocar o quê, afinal voltam novamente, para mim a unidade de registo é a transcrição fidedigna das palavras do entrevistado que nos levam à construção daquela sub-categoria, para o colega é a ideia que conta. O que fazer? A validação serve para encontrar a concordância, ou seja, para verificação da fidedignidade da categorização realizada pelo pesquisador, o que pode evitar possíveis “enviezamentos”. Mas, sendo a realidade multifacetada, a categoria “verdade” funciona apenas como um limite e uma orientação operatória, só se podendo produzir aproximações (Almeida e Pinto, 1986). A validação da nossa matriz realizada por outros investigadores é vital para evitar que a nossa voz se sobreponha à voz do entrevistado é este segundo olhar que poderá encontrar novas categorizações, descobrindo novas “verdades” e impedindo “enviezamentos”. Falta ainda a última fase segundo Bardin (2002), do tratamento e dedução da informação, permite que os conteúdos recolhidos se constituam em dados quantitativos e/ou análises reflexivas, em observações individuais e gerais das entrevistas.
Almeida, J. F., e J. M. Pinto (1986), “Da Teoria à Investigação Empírica. Problemas Metodológicos Gerais”, em Silva, A. S. e J. M. Pinto (orgs.), Metodologia das Ciências Sociais, Porto, Edições Afrontamento, pp. 55-78.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2002.
PATTON, M.Q. 1990. Qualitative evaluation and research methods. 2ª ed., Newbury Park, Sage Publications
37.016958
-7.928719